Bate-papo com Ailin Aleixo

Bate-papo com Ailin Aleixo
Ailin Aleixo. Foto: Divulgação

Ailin Aleixo não é chef profissional, mas dedica o seu trabalho exclusivamente para o universo da gastronomia.

Jornalista e crítica gastronômica, Ailin Aleixo passou por títulos como Revista Vip, Playboy, Alfa e Época, além de apresentar boletins diários sobre gastronomia nas rádios CBN e alphaFM. Atualmente, ela comanda o podcast Vai Se Food, além de seu site Gastrolândia, que, criado em 2009, hoje é um dos mais respeitados no Brasil.

Muito além do que meras receitas ou críticas, Ailin tem, sobretudo, uma preocupação em compreender a cadeia de produção. Com o objetivo de estreitar nossa ligação com a comida, ela traz para os ouvintes e leitores informações de cientistas e especialistas da área. Levantando discussões relevantes sobre tudo o que o universo gastronômico engloba, Ailin nos mostra de forma descontraída – mas cheia de investigação – o que está por trás do que a gente come

Como surgiu o seu vínculo com a gastronomia?

Eu comecei a escrever sobre gastronomia em 2001, quando era editora-executiva da Revista Vip, escrevia sobre outros assuntos também, mas sempre escrevi sobre gastronomia. Na Vip eu já era editora de uma sessão que se falava muito de comida, ingrediente, introdução de bebida. Na Playboy, quando fui editora também editei o caderno regional e a sessão de abertura, também escrevia sobre gastronomia. Depois, eu fui editora da Época São Paulo, era responsável pelo roteiro de bares, restaurantes e noite, aí eu comecei a escrever críticas com mais frequência. Passei por várias outras revistas, sempre escrevendo também sobre gastronomia. Em 2010, eu criei o meu site, Gastrolândia, logo que eu saí da Época São Paulo. E desde 2010 eu escrevo exclusivamente sobre gastronomia. Há muito tempo, escrevo sobre o assunto e alguns outros, e exclusivamente desde 2010.

Então a ideia não foi sempre especializar-se no jornalismo gastronômico?

É, Depois de 2007-2008, quando eu ajudei a criar o roteiro da Época São Paulo e fazer o projeto editorial, a ideia já era me dedicar exclusivamente sobre esse assunto. Tanto que daí para frente eu comecei a fazer mais viagens voltadas para isso, entrevistas. Eu fui voltando a minha carreira para falar de uma coisa que já falava há muito tempo, mas exclusivamente sobre ela, de uma forma mais profunda, conhecendo mais a cadeia. A partir daí foi uma opção consciente mesmo de optar pelo jornalismo gastronômico.

Você já viajou para diversos destinos gastronômicos, mas tem alguns que estão mais próximos do seu coração?

Eu gosto muito da Turquia, da cozinha turca. É um país que eu fui nem fui tantas vezes, fui duas vezes, uma vez há nove anos, outra vez, ano passado. Ano passado fui fazer uma viagem de imersão na cozinha mesopotâmica. Fui para uma área da Anatólia, uma área que eu não conhecia da Turquia. É algo que me encanta muito, a questão histórica, de ingredientes, foi onde nasceu a civilização, a origem do trigo, para mim é muito especial. A cozinha turca, eu gosto muito de Istambul, mas essa região da Anatólia, onde era a Mesopotâmia, foi sem dúvida uma das viagens gastronômicas mais incríveis que eu já fiz.

Quando você criou o Gastrolândia? Como surgiu a ideia, principais objetivos?

Quando eu criei, há dez anos, o meu objetivo era fazer críticas gastronômicas, e foi mudando muito ao longo do tempo. Eu criei quando eu saí da Época; Queria continuar fazendo crítica, da forma que eu tinha formatado o roteiro, que eram críticas maiores, mais detalhadas, menos bloquinhos de quatro linhas, tentar dar uma ideia mesmo do estabelecimento naquele momento, qual era o retrato do estabelecimento. E eu fui fazer isso na minha plataforma, que eu podia fazer exatamente do que eu quisesse, do tamanho que eu quisesse.

Ao longo dos anos, foi mudando bastante, porque eu fui mudando bastante. Então, hoje eu me dedico muito mais a fazer reportagem sobre produção de alimento, o que está por trás do que a gente come, a questão socioambiental, política e cultural da comida. Gosto de fazer crítica, mas não é mais o meu objetivo final como jornalista gastronômica fazer crítica. É uma parte do meu trabalho, e nem é a parte que mais me encanta no momento.

E foi por isso que você criou o canal no Youtube?

Foi, eu tenho um amigo que é publicitário, na época ele era dono de uma produtora, e ele que me convenceu a criar o canal. Tristemente é um canal que eu não consigo atualizar com a frequência que eu quero, porque eu preciso ir nos lugares, preciso ter autorização para entrar nas produções, quase nunca é fácil, mas é algo que eu gosto demais. É um formato que eu gostaria, inclusive ter uma série em um streaming, ou na Tv a cabo.

É mostrar a origem do nosso alimento e qual a cadeia de impacto do que a gente come de uma forma didática. E essa é a mesma razão do porque eu criei o meu podcast, Vai Se Food, que é para democratizar essa informação da cadeia alimentar, seja para falar de precificação em restaurante, seja para falar do resíduo de agrotóxico na água potável. A minha ideia é tratar de comida da forma mais ampla possível.

Como você escolhe os chefs, especialistas da área?

São pessoas que entendem muito sobre determinado tema. Às vezes eu não os conheço, e chego neles através de outras pessoas com as quais eu tenho contato. Nesses anos eu já criei uma rede de contatos bem grande entre cientistas, produtores, especialistas, então fica mais fácil chegar nessas pessoas. E geralmente são pessoas que têm algum estudo, livro, ou algum material novo sobre aquele tema, com dados atualizados, para que eu fale sobre o tema com as informações mais frescas possíveis.

No Gastrolândia você também compartilha várias receitas, você curte cozinhar também ou a sua praia é saborear os preparos das outras pessoas?

Eu adoro cozinhar. Na verdade, eu parei há muito tempo de colocar receita no Gastrolândia. Era uma coisa que me dava muita audiência, mas hoje não me diz nada. Eu tenho acesso às receitas, na maior parte dos restaurantes é só eu pedir para o chef, mas eu não quero ter uma audiência inflada para pessoas que querem ver como faz suflê de chocolate, eu quero que as pessoas se interessem por coisas muito mais profundas a respeito de comida do que só receita. Eu cozinho desde pequena, sou neta de italianos, sempre ajudei minha avó a cozinhar. Em casa, eu sou vegetariana, quase vegana, há muitos anos, só como carne a trabalho.

Eu cozinho bastante, é uma coisa que eu gosto, principalmente prato salgado, não sou boa em confeitaria, porque eu odeio seguir proporção, receita. Sou mais de criar as coisas, e confeitaria não dá para criar. Eu gosto muito de cozinhar, gosto de usar tempero. Sempre que eu viajo para qualquer lugar, trago, tenho uma área de temperos bem grande na minha cozinha. Brasileiro não sabe usar tempero, e eu acho que isso faz uma diferença lascada, não é atoa que eu gosto da cozinha turca.

E eu gosto muito de usar ingredientes frescos. Gosto de legume, verdura, cogumelos, raízes. Minha alimentação em casa tem ovo orgânico, de vez em quando, e queijo muito de vez em quando, quando eu conheço o produtor. Eu não compro carne em casa há dez, onze anos. Por questões ambientais, éticas e de saúde, eu prefiro comer carne muito pouco, e só mesmo quando estou fazendo crítica. E mesmo quando eu vou para os restaurantes, eu procuro no cardápio algo que tenha a menor porcentagem possível de carne, ou prato sem carne, até para estimular os leitores a sair daquelas opções óbvias de coisas que sejam intensamente animais, abrir um pouco as opções de paladar das pessoas.

Como você enxerga o protagonismo das mulheres dentro da gastronomia?

Eu não enxergo, porque não tem. O universo gastronômico no mundo inteiro é muito machista, mulher serve para ser cozinheira de casa, mas não chef de cozinha. É só ver a lista dos 100 melhores chefs do mundo, 50 Best, nem 10% são mulheres. É um mundo tão machista a ponto de o The World’s 50 Best ter prêmio de melhor chef mulher, o que não faz o menor sentido. Mesma coisa que criar o prêmio melhor chef negro, melhor chef sardento, é totalmente ridículo, só que a prova que o mundo é machista é que esse prêmio não só existe, como ele ainda é concedido todo ano e as mulheres recebem, o que para mim é o maior choque, as chefs receberem.

Ainda precisa andar muito para a mulher ter uma representação na cozinha profissional como merece, pelo talento e pelos milhares de anos que cozinham a mais que os homens. Desde que a humanidade se estabeleceu em sociedade, quem é a responsável pela cozinha, por fazer comida, é a mulher. É muito absurda a questão histórica, de quanto tempo a mulher lida com o alimento, transformando aquilo em comida, e porquê a gente tem essa predominância completa ainda de chefs homens, majoritariamente brancos, como os melhores do mundo.

A gente tem um pouco mais de mulheres na confeitaria, o que eu também acho que é por causa do machismo, aquela coisa de que doce é coisa de mulher, porque o doce não importa, então se não importa, é coisa de mulher. Eu vejo o universo da gastronomia ainda totalmente dominado pelos homens por várias razões. Tem o mito de que é um trabalho muito pesado para a mulher, o que é muito ridículo, mulher trabalha fora, cuida dos filhos e tem jornada tripla, enquanto o homem não tem.

Tem uma questão de ser muito difícil o tratamento do bullying e o tratamento ruim da cozinha, é meio militar, então para provar que você merece estar ali, tem que aguentar insulto, brincadeiras de mau gosto, o que é patético, porque você está fazendo comida. Aquilo envolve delicadeza, atenção, dedicação e não tapa na cabeça ou grito na orelha. Por esse lado, ainda dizem que as mulheres não aguentam tanto. Eu acho que ninguém deveria aguentar. Não acho saudável nem sensato esse clima de guerra na cozinha profissional.

Que lugares você indicaria para quem deseja apreciar a alta gastronomia de São Paulo?

Eu gosto muito do Tuju, acho que é um dos restaurantes de alta gastronomia que eu mais gosto. Gosto muito do Maní, da cozinha da Helena [Rizzo], não só no Maní. De comida mais contemporânea, italiana, do Evvai, acho o Luiz Filipe um chef muito talentoso. Eu gosto muito mais de restaurantes que não são de alta gastronomia. 

E para quem prefere algo mais simples?

Eu adoro A Baianeira, é um dos lugares que eu mais como em São Paulo, gosto do Teva, uma cozinha vegetal extremamente criativa e bem feita, gosto da Leggera, que para mim é a melhor pizzaria do Brasil, que é pizza napolitana de verdade. Dos novos, o Animus é muito interessante, da Giovanna [Grossi], é um restaurante com uma pegada muito autoral e fácil de assimilar. Gosto demais do Quincho, que também é de uma chef mulher, a Mari [Sciotti], é um restaurante vegetariano super moderno, bem saboroso.

Como foi a experiência de ser jurada do Top Chef Brasil?

É bem interessante. Essa segunda temporada está muito mais afinado, porque já temos uma interação muito mais ajeitada entre eu, o Felipe [Bronze] e Emmanuel [Bassoleil]. Os cozinheiros que participam realmente têm um nível muito bom, então é muito gostoso ver que a gastronomia brasileira tem tanta gente boa rodando por aí. Eu espero que no mundo pós-pandemia a gente não perca essas pessoas para outros ramos, porque sabemos que a porcentagem de restaurantes que vão fechar no Brasil inteiro, especialmente São Paulo, é muito grande depois que passar essa crise. Mas é muito gostoso ao longo do Top Chef notar o crescimento deles quanto cozinheiros, entram um e saem muito mais completos.

E é gostoso poder falar de temas legais com eles: desperdício, uso integral dos alimentos, de que comida não nasce na prateleira do restaurante, nasce no campo, precisa ter noção de como é o ciclo da comida para dar valor ao ingrediente, é muito divertido ficar sendo maquiada e penteada, vestida, todos os dias, porque é uma realidade muito diferente. É muito divertido, dá para fazer entretenimento falando de comida, mas dando informações que são mais relevantes também, não só o entretenimento, a competição pela competição. É uma experiência muito gostosa, eu espero que tenha vida longa.

Tem algum prato ou alimento preferido?

Que dificuldade, tenho muitos, tanto pratos quanto ingredientes. Eu adoro o reino vegetal, gosto muito de gente que sabe tratar vegetal com a nobreza que merece ser tratado. Desde um quiabo no ponto com um bom tempero até cogumelo feito do jeito certo, passando por uma moqueca de banana da terra, eu gosto muito dos sabores vegetais. Na verdade, eu meço talento de um cozinheiro pela forma que ele sabe cozinhar sem bicho. Quando você não tem esse atalho mais visceral para ganhar o paladar de alguém, o qual a gente cresceu evoluindo para desejar alimentos animais por causa do aporte calórico de proteína. Sensorialmente é muito mais fácil ganhar o paladar de alguém colocando um pedaço de bacon, leite e manteiga. Então, quem consegue construir camadas de sabor num prato predominantemente vegetal me ganham logo de partida.

Eu gosto muito de massa, pela minha ascendência italiana. Então um bom nhoque, uma boa lasanha, um bom pão para colocar no molho, me ganham na hora. Me dá um bom pão e um bom molho de tomate, acabou, só preciso disso para comer bem. Esses sabores são muito confortáveis para mim. Falando de ingrediente, qualquer um bem feito. Amo quiabo e cogumelo, é um troço que eu tenho um certo amor.


Instagram@ailinaleixo

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Foto destaque: Divulgação do Podcast Vai Se Food, produzido pela Olá Podcasts

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