Hora do chá

Hora do chá
Carla Saueressig.

Conheça Carla Saueressig, a primeira sommelier de chás do Brasil e referência no mercado de infusões.

A gaúcha Carla Saueressig herdou o amor pela gastronomia de sua mãe, que não só cozinhava, mas também aproveitava tudo o que os ingredientes podiam fornecer. Fazia pães com ervas, camomila, chá e usava todas as folhas para fazer as comidas. Quando viajavam, sua mãe dizia que hotel não era tão necessário, pois podiam conhecer alguém e dormir onde a pessoa oferecesse. Mas quando o assunto era comida, tinham que passar por todos os restaurantes. “Porque comida é cultura”, explica, “Para minha mãe, era muito importante mostrar que existem diversas culturas aqui no Brasil. E, para ela, comida era o negócio mais importante”, conta. 

Carla cresceu em um ambiente com muita horta, aprendendo a respeitar cada produto e a viver de um modo sustentável. “Minha mãe fazia eu sentir o aroma de todas as coisas. Se comia uma alface, lavava e cheirava a folha para ver que cheiro tem”. Como resultado, construiu uma biblioteca de sabores e uma memória de aromas em sua cabeça, o que contribuiu para desenvolver um paladar complexo e apurado.

Mesmo que tivesse familiaridade com a profissão, Carla não pensava em tornar-se cozinheira; Sua paixão era um pouco mais específica: gostava mesmo era de chá. Por isso, quando se viu com a oportunidade de abrir uma loja, as estrelas se alinharam, e decidiu trabalhar com os mais diversos tipos de chá que podia encontrar.

Em 1999, inaugurou a Loja do Chá, a primeira da América do Sul, com a maior variedade de chás e infusões. Localizada no Shopping Iguatemi, em São Paulo, o estabelecimento foi essencial para o mercado de chás no Brasil. Desbravar um novo mercado não foi fácil. Até então, as pessoas não conheciam e os produtos, por ser tudo uma grande novidade. “Para ter uma ideia, eu tinha Chai à venda na loja e quase ninguém comprava. Aí veio a novela Caminho das Índias, em que as pessoas tomavam Chai. Aí virou bebida nacional, agora tem em tudo quanto é lugar”, relata.

Além da loja, Carla também era representante de uma franquia alemã orgânica, com a qual teve a oportunidade de aprimorar-se todos os anos no TeeGschwendner, na Alemanha ao fazer vários cursos e aulas com profissionais renomados como o chef Thomas Holz. “Um especialista precisa tomar e fazer muito chá para aprender a degustar e entender qual é o sabor de cada um”. Assim, seu aprendizado foi na prática, com muito estudo, pesquisa e prova de produtos, desenvolvendo ainda mais a biblioteca de sabores que sua mãe tanto defendia. “[Agora], quando me servem darjeeling de primeira e segunda colheita, eu sei identificar qual é cada um, porque eu tomei muito darjeeling de diferentes colheitas. E não só só darjeeling, tomei chás chineses, japoneses e tudo. A gente vai aprendendo a descobrir todas as características de cada um”

Carla Saueressig. Foto: Arquivo Revista Prazeres da Mesa.
Gabriela Del Carmen | Mulheres na Gastronomia Carla Saueressig. Foto: Arquivo Revista Prazeres da Mesa.

Tornou-se pioneira no mercado de chás no Brasil e trabalhou em sua loja por dezoito anos. “Foi a grande lição da minha vida”, descreve. Em 2017, porém, encerrou as atividades do estabelecimento para continuar trabalhando com chá, mas a partir de um outro direcionamento. Criou o primeiro curso de formação de Sommelier de Chás no Brasil, oferecendo ensinamentos básicos sobre as principais regiões produtoras, harmonização de chá com outros elementos e como criar blends exclusivos. Atualmente, está reestruturando um curso mais profissional, com degustações mais aprofundadas.

Ademais, organiza aulas de harmonização de chá com vinho e com cerveja, ambos feitos em parceria com especialistas da outra área. Tem também de chocolate e queijo, além das degustações de chás especiais. Ela também realiza uma consultoria para quem deseja abrir um negócio no ramo e quer entender qual caminho seguir.  Além disso, Carla já criou mais de 100 blends, ganhando diversos prêmios internacionais.

Ainda mais, a especialista faz parte de um projeto no Rio Grande do Sul para ajudar pequenos produtores de erva-mate na valorização da riqueza cultural gastronômica brasileira. O objetivo é obter um produto melhor, com manejo sustentável de agrofloresta e que se tenha uma erva-mate pura folha para tomar como chá e não como chimarrão. “Eu acho que a gente tem muito para explorar no Brasil. A nossa erva-mate, as nossas infusões, temos muitas plantas aqui”, afirma. 

Em relação às dificuldades de seu trabalho, Carla explica que a questão de importação no Brasil é muito complicada. “Não existem regras estabelecidas de uma maneira objetiva e não há uma regra fixa. Precisamos de uma diferenciação de chá remédio, o farmacêutico, e o chá para o prazer. Isso está há mais de 20 anos tramitando no Ministério da Saúde, mas ainda não foi aprovado”.

Outra questão é a forma que o brasileiro lida com a bebida. “Nos restaurantes as pessoas se preocupam em ter um bom café, porque o brasileiro é um super consumidor de café. Não pensam em colocar café e chá, pensam em colocar café, então o chá ainda é um pouquinho negligenciado”. Para explorar mais a bebida na gastronomia, Carla realiza trabalhos de harmonização de chá com os cardápios de diferentes restaurantes. 

E quais os segredos para um chá perfeito?

Carla conta que, primeiramente, a água merece importância. Tem que ser leve, com menos precipitações. Mas não é só ter um bom filtro. É preciso confirmar a informação das precipitações no rótulo. “Se filtrar uma água em São Paulo com um filtro meia boca, ela vai continuar com sabor de cloro e outras coisas terríveis. A água tem que ser muito neutra no sabor”, garante. Em segundo lugar, a especialista destaca a proporção entre chá e litro de água. “Sempre tem uma quantidade estabelecida. Chá verde, chá preto, oolong, puer, tudo tem uma quantidade para litro de água de até 12g”. O tempo de infusão também depende, variando de 1 a 3 minutos. O mesmo ocorre com a temperatura da água. 

Os conselhos certamente ajudam a seguir uma coerência. Contudo, Carla reforça que são apenas dicas de preparo. “Isso não impede da pessoa querer deixar mais tempo de infusão, por exemplo; Também pode ser gelado, é extremamente versátil”. Ela assegura que o importante é respeitar o paladar de cada pessoa, e que cada uma faça o preparo conforme o seu próprio gosto e prazer. E é daí que vem seu amor incondicional pela bebida. “Dividir alegria e prazer com as pessoas é o que me leva para frente. Esse orgasmo gastronômico é uma coisa muito sensacional”, finaliza.


Instagram: @carlachaemate

Contato: alojadochatg@gmail.com

Foto destaque de: Andre Lessa/ Ag. IstoÉ

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