Mulheres na Coquetelaria
A bartender Michelly Rossi fala sobre a conquista das mulheres no universo da coquetelaria.
Michelly Rossi está no comando do balcão do Fel, um bar localizado aos pés do Edifício Copan, em São Paulo. Nascida em Santa Catarina, começou a trabalhar com coquetelaria durante a faculdade de direito, fazendo os primeiros freelas em restaurantes.
Eventualmente, dividida entre os livros e os coquetéis, Rossi abriu mão da graduação e decidiu especializar-se no ramo, mudando-se para São Paulo em 2010. Trabalhou no Alberta#3, assim como nos bares A Casa de Porco e Frank Bar, um dos melhores da capital paulista. Embora tenha feito alguns cursos para ampliar seu repertório, considera que foi na prática que conseguiu aperfeiçoar-se na área.
Em janeiro de 2018, inaugurou o bar Fel, considerado revelação do ano pela Folha de S. Paulo. Como head bartender, é responsável por cuidar da operação da noite, elaborar o cardápio e escolher sua equipe, de seis mulheres e um homem. O conceito da casa é trabalhar sobretudo com drinks clássicos: com um trabalho de pesquisa típico de historiador, Rossi recupera sabores e formatos, resgatando os clássicos esquecidos e aperfeiçoando dos drinks já existentes.
Com um leque de possibilidades muito grande, o bar não possui um carro chefe. As sugestões são feitas a partir do perfil alcoólico dos clientes, perguntando o que gostam e costumam beber. O que não entra no cardápio são os chamados “drinks femininos”, geralmente mais doces e suaves: “Paladar não tem definição de gênero. Paladar é evolução, se desenvolve conforme o cliente prova mais coisas. Quanto menos a mulher sai para beber, mais limitada fica o seu paladar para algo mais complexo”, afirma.
Apesar de seu sucesso no ramo, a presença de mulheres trabalhando em bares ainda é pequena. O cenário é de fato dominado por homens. Para entrar na profissão, as barmaids, como são conhecidas as profissionais, devem lidar com os preconceitos, de tal forma que enfrentam os obstáculos do machismo na área e se esforçam sempre mais para provar seu valor. “Estamos no começo da jornada. A melhora é pequena, temos muita coisa para discutir. Ainda somos poucas, sofremos preconceito, assédio moral e sexual. Tem vezes que você congela e não tem reação, mas depois se sente mal. Tem vezes que você bate de frente, se posiciona”, declara.
Um dos coquetéis elaborados por Rossi foi criado para o Bacardí Legacy, campeonato mundial de coquetelaria. Recebeu o nome de Dandara em homenagem à guerreira quilombola brasileira que lutou pela libertação dos negros.
O drink é incorporado, leva rum envelhecido, jerez manzanilla, amaro siciliano, orange bitter e aceto balsâmico. Conforme o nome, foi criado com um viés mais feminista, inserindo a pauta na profissão e fortalecendo o empoderamento das mulheres no ramo. “O feminismo é um tabu no bar. Algumas mulheres acabam se adaptando à mentalidade machista, acham que está tudo bem e que o feminismo é desnecessário. Entre os homens, uma grande maioria acha um absurdo essa discussão”, aponta.
Como resultado de seu trabalho foi a criação da campanha Eu Bebo Sozinha. Rossi queria discutir o direito das mulheres de ocuparem os espaços que desejam, impactando tanto as profissionais quanto as consumidoras por meio da conscientização sobre igualdade de gênero.
No Instagram, o projeto já possui mais de 3 mil seguidores. As publicações incentivam as mulheres a trabalharem na área, ocupando cargos atrás dos balcões, e frequentarem os bares com mais liberdade. “[O projeto] é sobre independência e liberdade. Nada é mais libertador do que entender que estar sozinha às vezes é estar com sua melhor companhia, você mesma”, reconhece.
Atualizado em 18 de outubro de 2020: Michelly não trabalha mais no bar Fel, mas continua suas atividades como barmaid. Atualmente, ela é gestora de bares do Grupo Tokyo Sp
Imagem destaque de: Rodrigo Macedo
Quer conhecer outras mulheres que quebram barreiras de suas áreas? Leia os posts A gastronomia da brasa e A jovem pizzaiola.
Me vê uma rodada, por favore